Dia ensolarado, cheiro de frango assado, família reunida. Domingo é um dia peculiar, mais preguiçoso e facilmente destoado dos demais dias na semana. É o dia de almoçar junto, dia que lembra casa da avó, de levantar mais tarde. E foi assim, reunindo 141 textos, que o jornalista Antonio Roberto de Paula desenvolveu um livro com “cara de domingo”. A definição tem tudo a ver com o dia: é uma compilação de nostalgia, memórias do autor. “Mais do que uma homenagem para a cidade, é uma homenagem para os meus familiares”, conta.
O livro intitulado “Diário dos Meus Domingos” reúne crônicas publicadas de 2006 a 2009 no Diário, e o título faz todo o sentido com o dia em que o jornalista assinava a coluna, intitulada Da Minha Janela. De Paula gosta de inovar. “É preciso sempre buscar o inédito, não adianta criar algo para ser mais um”, diz. Não é a primeira vez que o escritor inova em suas criações, principalmente digitais: já tem duas publicações online, mas em outro formato. “Posso dizer que são ‘livro-blogs’, pois a disposição das páginas é diferente, se encaixa como blog mesmo, enquanto este e-book foi diagramado no formato de livro”, diz.
Com aproximadamente 600 páginas, o e-book conta com ilustrações e breves comentários do autor ao pé de cada texto meticulosamente selecionado para a publicação. A produção teve início em 2009, estagnou. O projeto foi retomado no ano passado e a opção pelo formato digital é voltada para a amplitude que a internet possibilita. “Eu estava comentando com a minha esposa ontem, o livro impresso é limitado, você pode ter mil exemplares e ficar naquilo. O material na internet não tem fronteiras, democratizou”, observa. “Escrever gera despesa, a publicação exige um investimento que nem sempre dá retorno.”
O lançamento do livro tem data e hora marcada, ainda que o e-book não seja algo palpável. Quem passar pelo shopping Maringá Park hoje à noite pode estranhar a movimentação. A prévia do livro poderá ser conferida na voz de aproximadamente 20 pessoas, que vão ler crônicas pelos corredores. A partir das 19h30 a apresentação mais elaborada ficará no 3º piso, na livraria Espaço Maringá Park.
Após o sarau de apresentação e lançamento da obra, quem quiser poderá conferir o livro no portal odiario.com e no site do jornalista. A obra poderá ser lida diretamente na internet pelo sistema page flip, que simula o virar das páginas, que poderá ser baixado em formato PDF para posterior leitura – na tela do computador ou no papel impresso.
Quem trabalhou com De Paula na viabilização do projeto foi o produtor cultural e amigo de longa data Marcelo Carvalho. “O De Paula foi meu primeiro cliente com a produtora Caco cultural”, conta. “Eu lembro exatamente do dia em que ele me procurou, dizendo que queria montar um livro diferente com as crônicas” – e foi a partir disso que o projeto surgiu pensando principalmente na parte visual. Aliar textos com fotos e imagens que ilustrassem cada criação foi um dos tantos desafios eliminados com o passar do tempo. “O livro foi todo repensado para ficar algo leve, o sarau é algo singelo para o lançamento, mas teve um resultado excelente”, diz Carvalho.
Textos feitos sob pressão
Muito do que há para ser lido em “Diário dos Meus Domingos” pode ser considerado fragmentos da vida do jornalista, há 20 anos na profissão. Escrever muitas vezes sob pressão fez toda a diferença até na forma com que as crônicas foram construídas. “Eu tinha de entregar o texto toda sexta-feira, então eu sabia que tinha esse compromisso. Só que muitas vezes você não está no clima para escrever, e isso influencia na maneira como o texto se forma”, relata.
Outra dúvida que aflige alguns escritores é a diferença entre crônica e conto. Não se sabe dizer quem é quem no texto de Antonio Roberto de Paula. “São textos”, define. Memórias, pinceladas em uma antiga Maringá mescladas com a atualidade. “Minha família chegou aqui em 1950, eu retrato muito a cidade antiga e o desenvolvimento dela no que escrevo”, diz.
O pioneirismo cerca o jornalista não só na iniciativa de cair de cabeça em algo novo. “Eu sempre tento fugir, mas acabo colocando muita coisa de Maringá nas minhas criações”, afirma. Ele se diz apaixonado pela história, principalmente, da cidade. Talvez desse carinho tenha se desenvolvido um dom. Talvez só uma forma de levar adiante o que se perderia por entre a memória, a gaveta de fotos e as ruas que delineiam a cidade. Ou mais uma maneira de surpreender quem não conhece essa história e garantir boas lembranças para quem foi parte dela. “É gratificante quando as pessoas participam, comentam. Para quem escreve é isso que conta”.
Trechos
Trechos de duas crônicas de De Paula presentes em “Diário dos Meus Domingos”
Fotografias eternas
Ando abrindo antigos álbuns de fotografias com uma assiduidade assustadora. Fico imaginando se não é o medo inconsciente de ficar velho que faz com que eu me agarre de alguma maneira ao passado, na tentativa de buscar restos de uma juventude que o inexorável tempo fez esvair.
Ou essa mania nada mais é do que visitar uma época em que a inocência ainda não havia saído do meu rosto, em que quase tudo estava por vir, em que planos e sonhos eram feitos e esquecidos com a mesma velocidade. Uma época em que a ansiedade ditava o ritmo.
Vejo gente sorridente, de 30 anos atrás e 20 quilos atrás, posando para kodaks, eternizando a vida.
O sereno e perplexo João
Olho para a cara do Seu João, e através dela vejo uma Maringá de 40 anos atrás. Em 1966, já achava Seu João um velho. Hoje, constato que ele não era tão velho assim. Eu é que era muito novo, e qualquer cidadão que usasse calças compridas, camisas de colarinho e botasse um cigarro na boca eu chamava de senhor. Ensinamentos de um pai que não escolhia hora nem local para chamar a atenção do filho que esquecesse de colocar “senhor” e “senhora” nos pré-nomes.