Banda de rock foi formada em 1997 no Rio de Janeiro
O ano é 1997. Ao som característico da internet discada, dois músicos se encontrariam em uma sala de bate-papo e dali surgiria o primeiro contato para a formação do Detonautas (detonadores + internautas), banda que tomou forma no Rio de Janeiro. De lá pra cá, muitas águas rolaram. Os então meninos, naquele tempo, cresceram. As letras foram tomando outro contorno, mais maduro, e a essência do rock nacional que motivou e deu origem à banda prevaleceu.
Manter a própria identidade e acreditar na própria ideologia são características recorrentes na história dos músicos. Certa vez, Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, conhecido como Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas Roque Clube, disse que eles eram “a banda desconhecida mais conhecida do Brasil”. Não estava errado.
Houve um tempo em que o Detonautas serviu de trilha sonora para novela global, teve o auge da carreira no início dos anos 2000 e então a mídia passou a ter papel secundário na trajetória do grupo. A divulgação “boca a boca”, usando a internet como recurso principal, parece ter funcionado. Mesmo “longe” dos holofotes midiáticos, os roqueiros continuaram a crescer e a conquistar o público com as letras que chamam a atenção pelo conteúdo e pela experimentação a cada novo disco – o quinto CD está enfornado por ora, com previsão de lançamento de forma independente no ano que vem.
Não é a primeira vez que o sexteto, formado por Cléston (DJ e percussão), Fábio Brasil (bateria), Philippe (guitarra e vocal), Renato Rocha (guitarra), Tchello (baixo) e Tico Santa Cruz (vocal), vem a Maringá – o último show foi em 2006 e eles voltaram a se apresentar no dia 23 de dezembro de 2012. Mas a ligação por essas bandas vem de antes, da década de 1990, quando a mãe de Santa Cruz morava por aqui. “Minha mãe é professora de hipismo e rodou o Brasil inteiro dando aulas, criando cavalos. Viveu em Londrina por dois anos e depois foi pra Maringá. Nessa época estive por aí, mas eu era bem novo”, revela.
Na entrevista, o vocalista polêmico por falar o que pensa e engajado conta sobre a carreira, o atual cenário do rock brasileiro, influências e dá um show à parte sobre interpretação da própria realidade. Confira na íntegra a entrevista que foi originalmente publicada no caderno D+ do jornal O Diário:
O quinto álbum que vocês vêm trabalhando é feito de forma independente, o que representa liberdade autoral para alguns músicos. Isso vai significar qual direcionamento para a banda?
Nunca tivemos problemas de conteúdo por conta das gravadoras. Elas não tinham esse poder de interferência em nossas escolhas musicais ou de concepção de letras e referências. O que influenciavam era na escolha das músicas que seriam trabalhadas. Apenas isso. De forma que a liberdade que temos hoje é apenas a de não precisar sucumbir às necessidades comerciais de lançamentos e com isso podemos trabalhar com mais tempo e mais tranquilidade. Nosso direcionamento é objetivo, não temos intermediários entre nós e os fãs, logo conseguimos um diálogo menos burocrático. Nos falta talvez o poder financeiro de investimento em Marketing de acordo com os padrões ainda existentes nos veículos de comunicação de massa, porém nos sobra maneiras alternativas de disseminar nossa música.
O que contribuiu para que o DRC se tornasse 100% independente?
A falência do método utilizado pelas gravadoras. Nosso segmento não vende discos. Os jovens sempre optam por baixar as músicas e gravadoras vendem discos. Se não batem os números, não tem como manter um artista nesse sistema. Então, em total compreensão de ambas as partes, foi decidido o fim de nosso ciclo neste caminho e o início de uma nova abordagem por parte da banda. Que vem dando muito certo.
O som produzido em cada álbum reflete o estado de espírito dos integrantes no momento de concepção do material. O novo disco vai refletir qual fase?
Sem dúvida. Música é estado de espírito, mas é também maturidade, conhecimento, aprendizado, experiência e nós já não temos a mesma idade que tínhamos quando fizemos os primeiros discos, logo a forma de ver a vida mudou por alguns prismas e eu como compositor entrei numa jornada de auto-conhecimento e muitas buscas literárias para procurar uma linguagem que pudesse refletir tudo isso e oferecer letras com as quais as pessoas pudessem se identificar e que não fossem rasas. Os músicos também foram em suas buscas pessoais por novas técnicas, novos timbres, novas fórmulas. Então teremos um disco com bastante variedade musical, mas em todas as músicas as pessoas dirão: “É do Detonautas”.
Quais foram as influências que você encontrou na literatura?
Tenho uma biblioteca muito grande na minha casa que construí ao longo dos últimos tempos. Reli todos os clássicos que eram obrigatórios na escola: Machado de Assis, Guimarães Rosa, Manuel Antônio de Almeida, Drummond, entre outros autores nacionais. Gosto muito do Saramago. É um autor que me influencia muito. Leio de tudo, desde livros de filosofia até literatura de auto-ajuda. Romance policial, livros de sociologia, antropologia, Ciências políticas fizeram parte da minha formação, pois cursei Ciências Sociais na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Leio muito mais do que escuto música. Então tudo isso se reflete no meu vocabulário e na maneira de colocar e expressar em palavras os sentimentos e as ideias. Sem ler fica praticamente e impossível escrever algo que possa realmente ser relevante.
Vocês utilizam as redes sociais para se aproximar dos fãs, mas esse canal também permite que as críticas, às vezes gratuitas, ocorram. Tem alguma situação que vocês levam em consideração alguma crítica? Qual?
Consideramos argumentos. Críticas por críticas qualquer um pode fazer e isso é um exercício de liberdade. Argumentos são críticas embasadas por conhecimento ao que se critica e essas nós consideramos.
O Detonautas surgiu em uma época de efervescência do rock nacional. Acha que falta identidade nos atuais músicos que querem fazer carreira no gênero musical?
O que parece é que a busca dos músicos da geração após a nossa é meramente o sucesso comercial, sem qualquer comprometimento com o que está oferecendo. Mas é a geração deles, a forma deles se expressarem, a maneira que encontraram para serem reconhecidos por outros jovens que pensam da mesma maneira. Nós temos um público diferente, mais seletivo, que não aceita qualquer bobagem. Então tentamos corresponder às expectativas desse nosso público e quem desperta para o Detonautas consegue observar isso claramente. O que falta na música brasileira atual é um pouco mais de espaço para a diversidade que ela abrange. A monocultura que domina o que a massa escuta é o principal elemento de dominação apenas dos interesses financeiros. Quem decide o que o povo vai ouvir são os anunciantes e não mais alguém que se identifica com a arte.
O rock sempre foi questionador e reflexivo, caracterizado pela rebeldia e pela inconformidade diante das situações. Hoje em dia vemos artistas novatos totalmente comerciais. Isso acaba com a credibilidade musical de um País que tem grandes nomes nesse cenário?
Não acaba porque a música boa é atemporal e mesmo que eles por algum período sejam referência para alguns jovens, quando as pessoas fazem contato com a música de qualidade e estando preparadas para isso vão se rendendo e passando adiante. Não dá para cobrar de um adolescente atual de 12 ou 13 anos que ele se comporte como um adolescente da mesma idade que vivia um contexto diferente nos anos 80, 90. Por que eram outras referências, outras oportunidades, outro comportamento. As gerações atuais estão expostas a muita informação ao mesmo tempo. É tudo muito veloz e para eles o natural é consumir o mais rápido que puderem sem se aprofundar tanto. Não estou generalizando, mas essa é a realidade. Logo, não há comprometimento com questões que precisam de um pouco mais de tempo para serem maturadas, isso só vem com o tempo. Por isso ainda fazemos muito sucesso.
O Detonautas começou nos primórdios do universo digital. Se adaptar à internet e às possibilidades de, por exemplo, oferecer download gratuito das músicas, favoreceu de que forma a trajetória de vocês?
Absolutamente TUDO que temos é devido a internet. Mas principalmente por conseguimos manipular a ferramenta a nosso favor e conhecer os caminhos através da nossa curiosidade e do poder de adaptação rápida que temos as linguagens dispostas. Então não posso dizer que a internet tenha prejudicado em qualquer momento a banda. Trabalhamos com música e nosso interesse é que ela chegue aos ouvidos e cérebros das pessoas, e a internet possibilita isso de maneira formidável. De modo que a questão comercial nós buscamos em outros caminhos.
Em uma entrevista concedida depois do show que vocês fizeram em Teresina, no começo do ano passado, você disse que o Detonautas é “a banda desconhecida mais conhecida do Brasil”. A banda continua em consequência da vontade de fazer o trabalho de vocês, dos fãs já conquistados desde 1997 e dos trabalhos desenvolvidos desde então. Atingir um público novo hoje é mais complicado sem o auxílio da mídia?
A mídia dita o que será consumido para a maioria. Isso é assim desde que inventaram este sistema de divulgação de informações para vender conceitos, ideias, comportamentos e etc. Quem estiver fora desse contexto terá de criar seus próprios meios, é o que nós fazemos. Contudo, o crescimento do número de fãs do Detonautas é enorme e isso vem sendo feito de uma maneira que marketing e mídia nenhuma consegue fazer melhor, que é o boca a boca. Uma pessoa passa para a outra que passa para a outra e assim por diante. Tendo isso a nosso favor, o que vier é bônus.
As músicas disponibilizadas no site trazem um mix de estilos diversificados à pegada já tradicional do Detonautas. Como é lidar com a inovação mantendo a essência da banda?
Se detendo a sua verdade e ao que lhe move para continuar fazendo o que faz. Se há verdade é você. Se for para agradar ou atingir um mercado para vender e tão somente isso, então perde-se a essência para buscar apenas o comércio. Arte é primeiro a essência e depois o interesse por ela gera o comércio, se for ao contrário não é arte é puramente comércio.
Abrir shows importantes como do Red Hot Chili Peppers, Silverchair, tocar no Japão duas vezes e se apresentar no Rock in Rio foram passos significativos para a carreira de vocês e de quebra a realização de vários sonhos. Quais são os sonhos/objetivos para o futuro?
Continuar fazendo o que nós mais gostamos, estar nos grandes festivais brasileiros, queremos muito rodar a Europa e voltar para o Japão, mas principalmente manter nosso trabalho forte aqui no Brasil.
Quando foi que vocês passaram a apresentar músicas próprias com cover nas apresentações e o que fez adotarem esse formato?
Sempre fizemos homenagens em nossos shows. Mas percebemos que uma geração inteira estava passando batida sem conhecer ícones importantes do Rock nacional. Em alguns lugares a gente cantava músicas menos famosas de Titãs, Barão Vermelho, Raul, Legião e percebia que uma parte dos garotos e garotas não conheciam. Então decidimos dedicar uma parte do show para apresentar a quem não conhece o Rock nacional e manter a chama acesa e as boas lembranças de quem viveu os bons tempos.