There are places I remember all my life

Here comes the sun

Quando peguei o vôo para São Paulo, de Maringá, sentei ao lado de um senhor aparentemente surdo pelo volume das músicas que ouvia em seu fone de ouvido. Felizmente, diferente da molecada que encara os ônibus da cidade com funk na caixa de som, no shuffle ali era o rock and roll que ditava o ritmo. Quando começou a tocar “let it be”, eu mal podia pensar que Beatles também me faria uma companhia ao acaso na viagem que encararia dali em diante. No meu primeiro passeio quando cheguei a Nova York, quando me deparei com o primeiro artista de rua dos muitos que viriam no Central Park, a música entoada era “Yesterday”. Como boa previsão, naquele primeiro dia vivendo em um sonho – e o sonho especificamente não acabou! -, todos os meus problemas já estavam longe.

Acredito que fazia 9 ou 10 dias que já estava em Nova York e a minha ficha ainda não tinha caído de onde estava e quão distante de casa e da minha realidade estava. O bombardeio de informações era tanto que agora, dois meses depois da viagem, ainda absorvo situações novas, detalhes diferentes, novos tons e novas interpretações do que vivenciei. Foi quando finalmente fui ao Strawberry Fields, monumento feito no Central Park em homenagem ao John Lennon. Um pouco adiante temos o Dakota Building, edifício em que ele morava com a Yoko Ono – dizem que ela ainda tem um apartamento ali._DSC0918

Imagine

Imagine

Estava nublado, friozinho. Cheguei ainda perdida, reconhecendo a localização graças a Ju e o senso de direção analógico (eu usava o meu smartphone pra tudo, ahaha). Pessoas vendendo quadros, camisetas, bottons dos Beatles. Caminhei um tanto a frente em direção. Pisei. E só então tive noção de onde estava. Chorar igual criança foi uma atração a parte, ainda bem que estava de óculos hahahaha mas foi uma sensação indescritível. Só então respirei fundo e percebi onde estava. Em um dos bancos ao lado um morador de rua começou a tocar “Here Comes The Sun”. Eu tremia.

Depois de dar um dólar para ele, perguntei se ele poderia tocar Blackbird, minha música preferida dos Beatles. Ele disse que não sabia tocar inteira, mas que tocaria os primeiros acordes… E foi o suficiente. Pediu desculpas, constrangido, e disse que se eu voltasse no dia seguinte ele teria aprendido tudo. Ri e disse que voltaria mesmo para cobrá-lo. Nunca voltei. Mas moço, agradeço MESMO por ter tocado aquele comecinho! E por ter traduzido em música tanto do que eu transbordava.

Quando saímos dali as nuvens se afastaram, o sol apareceu majestoso. Como se John realmente dissesse que tudo ficaria bem com aquele gesto. Essa é uma das lembranças mais lindas que vou guardar dessa viagem. Quando eu realmente acreditei que… Era verdade. Look around around around… It’s happening!

(Continuando as postagens sobre a viagem, os posts seguem o mesmo direcionamento dos meus pensamentos: sem uma sequência cronologicamente lógica hahaha) 

Quando tudo era “NYC is coming”

Crédito: Ana Luiza Verzola

Demorei a criar coragem e escrever sobre, por hora, os melhores 15 dias dos últimos anos. Enrolei MUITO para começar simplesmente porque até olhar as fotos da viagem vez ou outra me deixava perdida em um profundo vácuo. Como se o que eu tivesse vivenciado não passasse de um sonho, uma realidade paralela, distinta. Talvez por isso tenha adiado tanto relatar minha experiência viajando para os Estados Unidos. Minha primeira viagem para Tão Tão Distante.

Não vou falar detalhadamente dos preparativos, mesmo porque seriam muitos detalhes para incluir – dos sustos, da mudança completa de planos praticamente na véspera de viajar, enfim… Preciso separar por tópicos sobre o que vou relatar. E parece um processo tão difícil!

Primeiro vou falar da minha decisão em não informar quase ninguém, fora meus pais, de que faria uma viagem que nunca imaginei que um dia faria. Sei que meus amigos me xingaram muito quando de um dia para outro eu não estava mais aqui (um beijo, Alisson lindo! <3), mas fiquei aliviada quando entenderam que era algo que eu precisava fazer… Por mim. E só por mim. Explico: eu acredito na teoria de que você só deve compartilhar algum plano seu se este estiver concreto.

Riam, mas eu realmente acredito que bradar um plano não realizado diminui drasticamente as chances de realização. Daria algo errado no final se eu simplesmente saísse pulando de alegria e contando para todos, até porque eu ainda não poderia ter essa alegria. Para mim, ainda não era uma realidade. Supersticiosa que sou só teria certeza de que tudo teria dado certo quando estivesse em terras norte-americanas, com meu carimbo de turista no passaporte, as malas no hotel, curtindo a viagem. Só assim teria certeza mesmo de que os imprevistos ficaram para trás. Que o avião caísse na volta, mas eu já teria vivido meu momento de realização!

Quando as pessoas me questionavam sobre destinos internacionais, sempre dizia que gostaria inicialmente de explorar meu próprio País antes de me aventurar fora. Ou então que gostaria muito de conhecer a Nova Zelândia ou o Chile (viagens que ainda pretendo fazer!). Nova Iorque? Ah não. NYC não.

E então minha amiga Juliana começou a falar um bocado aqui, outro ali da perspectiva de viajar para os EUA. Será? Ah, balela. Conversa. Tínhamos o obstáculo de conseguir tirar férias juntas, uma vez que trabalhávamos no mesmo segmento e a ausência de duas pessoas desfalcaria a equipe. Reviravolta quando meses depois me mudaram de segmentação e nossas férias saíram… No mesmo mês! Maio. Primavera nos Estados Unidos – ideia que ainda não tinha absorvido muito bem.

Em São Paulo, prestes a embarcar

De repente tínhamos mais três pessoas “viajando” conosco e as passagens compradas. É era pra valer! A “Big Apple” chegou aos pouquinhos na minha consciência e, antes que eu percebesse, estava inteiramente agarrada a ideia de conhecê-la pessoalmente. E quer saber? Não poderia ter escolhido destino melhor. NYC é uma cidade para todos. Impossível, independente do seu estilo, preferências, gostos pessoais, não se identificar em um lugar tão multicultural. Onde tudo acontece simplesmente porque tudo pode acontecer. Qualquer pessoa pode ser imensamente feliz em Nova York. É uma cidade que te abraça e antes que você possa fazer algo, também te sufoca. Hoje são as lembranças que abafam, emudecem o grito de liberdade que a cidade simplesmente representa. E só me resta a saudade de dias fantásticos (e perdoem a sequência de clichês) na “capital do mundo”, como dizem!

(Me ocorreu agora a memória de um dos guardinhas do aeroporto tirando sarro da maneira que escrevi o nome do meu destino em um papel de preenchimento da companhia aérea – “Nova Lorque?”, ele disse. Infelitchê!).

De uma vida de retalhos, o coração remendado

Dona Ana me recebeu estendendo a mão esquerda. “Êta, essa mão é difícil de esquentar!”, dizia ela. A palma da mão enrugada e calejada já apresentava uma prévia das tantas histórias que aquela mulher franzina escondia. Sentada na ponta de um dos bancos de madeira do condomínio onde vive há quatro anos, ela buscava acalentar a mão sob o sol daquela tarde de quarta-feira. Se escondia em um chapéu cata-ovo branco e uma jaqueta de mesma cor. Nos pés, meias e chinelo de dedo. Olhava por cima do óculos de grau, “presente” que ganhou dos tantos anos em frente à máquina de costura, equipamento principal para a profissão de uma vida inteira.

– Dona Ana, também me chamo Ana.

Ela sorriu, daqueles sorrisos que fecham os olhos. “Somos charás!”, disse. E então me contou da cirurgia que fez no último mês – a falta de ar que sentia, observou surpresa, não era do pulmão enfraquecido, mas do coração que estava parando. Dona Ana ficou horrorizada com a possibilidade de o coração parar de bater. “Mas Deus disse: fica quietinha aí que a sua hora ainda não chegou”. O mesmo Deus que habitava a casinha de quase 50 metros quadrados onde vive. “Não moro sozinha não. Moro com Deus”. 

A mulher de estatura pequena, frágil, foi mulher de garra por toda a vida. Criou cinco filhos na roça – “todos casados e trabalhadores”, orgulha-se – e hoje tem tantos netos que mal consegue contar nos dedos das mãos. Dos bisnetos é que ela lembra com doçura: são seis. Recorda com vivacidade dos tempos em que colhia café, corria para casa fazer o almoço para o marido, hoje falecido, e as crianças. Voltava para o batente. Retornava no entardecer, ajeitava as crias e assentava-se na máquina de costura, onde ali encerrava a noite. Poucas horas de sono não davam conta de acalmar a alma de quem se dividia em tantas. Quantas Anas caberiam no semblante tão sereno?

Ana da Cruz, 81 anos, passou a vida inteira juntando retalhos. Hoje tem o coração remendado. Tão grande o coração que transbordou, esqueceram de lhe contar. A mão agora já está aquecida e o sorriso acalenta o ritmo acelerado de qualquer um que sossega ao lado para ouvir. Da voz sussurrada ela expõe um mundo inteiro de vivências. As rugas contornam o sorriso dos olhos, como se atestassem cada palavra ali proferida. Ela fala agora sem precisar de muitas indagações. Da vida não quer mais nada se não saúde. “Que eu preciso dar uma arribada!”.