Junte-se a nós e comece a cantar

“Não sei se somos um fenômeno cultural, sei que somos estranhos o suficiente para despertar a curiosidade das pessoas”, essa foi uma das frases ditas durante o último show da banda londrinense Terra Celta aqui em Maringá. Quando conheci a música deles, há uns três anos, estava em um bar – cheio, por sinal – e eu não entendia toda aquela movimentação até que o show começasse. Na quinta-feira passada, presença garantida no projeto Convite à Música aqui na cidade, a apresentação era gratuita e o set list restrito, o que resultou em um show bem rápido.

Rápido, mas o suficiente para deixar algo claro: independente do lugar, a batida contagia qualquer pessoa. Cheguei em cima da hora no dia do show, e já haviam distribuído os convites. Ficamos para fora – eu e a torcida do flamengo – até que alguma boa alma resolveu liberar a entrada dos coitados que deram de cara com a porta, mesmo faltando lugar – o que no final, não fez falta alguma.

E então a música começou, com uma sonora receptividade de “Nunca vi esse lugar tão lotado!”. E, oras, lugar para quê? Logo na primeira canção metade do auditório correu para a beira do palco, dançar, pular e cantarolar. A ausência da cerveja mal foi sentida no decorrer do show, que se manteve divertido do começo ao fim. No dia seguinte, entre uma música e outra que fiquei cantando, um amigo pediu para que eu definisse qual é a interação que existe da banda com o público. Pensei um pouco, e não haveria outra resposta: “Só indo em um show para saber”. Fica o convite para quem não conhece, ou conhece e aprova o som da banda. No próximo dia 11 eles retornam à Cidade Canção para um show no MPB Bar.

Vou aproveitar a oportunidade para postar uma entrevista que fiz com um dos meninos que vivem nesse mundo mágico chamado Terra Celta, o vocalista Elcio Oliveira e seu simpático óculos e capuz verde.

Não é a primeira vez que o Terra Celta se apresenta no projeto Convite à Música em Maringá. Tocar em um auditório, com pessoas sentadas (ou não) e sem cerveja em mãos foge do perfil de shows de vocês. Isso chega a incomodar ou afetar de algum modo a performance do grupo?

Não, não incomoda de modo algum ou interfere no resultado final. Porém, o “aproach” com o público é bem diferente, geralmente temos pessoas de todas as faixas etárias em shows em teatros, então as piadas e a forma de apresentar as músicas são diferentes. Na verdade muita gente pensa isso e até já fui questionado sobre a “apologia” que nós supostamente fazemos a cerveja ou a bebida. O que procuro deixar claro é que nossa apologia é à alegria, porém há séculos a bebida alcoólica está vinculada a festas e ocasiões de comemoração, então torna-se inevitável a citação delas em algumas canções.

Apesar de fugir do perfil da banda, uma parcela do público que marca presença no show do auditório Luzamor é o mesmo público que vai em pubs e casas de show. A proposta de vocês agradou, e vem agradando a plateia dada a interação que existe com quem está presente. O fato de isso acontecer – pelo menos em Maringá, cidade onde o sertanejo universitário predomina – demonstra que a população precisa de algo que inove, que vá além do tradicional e que resgate valores culturais e ao mesmo tempo seja um entretenimento?

Na verdade o “sertanejo universitário”, que está dentro de um conjunto de estilos “musicais” novos é apenas reflexo do estado lamentável da cultura e educação brasileira. Muita gente escuta aquilo por não ter sequer noção que existem outras formas de músicas para entretenimento. Acho que nossa música preencheu uma lacuna, de uma música mais complexa e de caráter festivo. Mas respondendo a pergunta: sim, acho que estamos neste caminho de um som “cultural” e divertido. Porém a sacada mesmo é o show e não só a música por si só! Acho que o fato de brincarmos com a plateia, improvisarmos piadas e forçar a participação do público colabora muito mais com isso que a própria música. Gosto de muitos artistas que não gastaria um centavo para vê-los, pois falta isso, essa interação, que é algo essencial. Um cara que vai no show seja lá qual for, quer se divertir, esquecer dos problemas do dia, sair um pouco da realidade. Se for apenas ver o show, a pessoa assiste um DVD em casa.

O Terra Celta começou de forma tradicional, com músicas tradicionais e em shows mais pacatos. De onde veio a necessidade de buscar um trabalho autoral e que isso se firmasse como uma identidade da banda?

Todo trabalho evolui, não mudar é como perseguir o próprio rabo. Formamos um grupo de músicos relativamente experientes, e a criação de um trabalho autoral é a consequência mais natural de um grupo bem consolidado que encara a banda como mais que um hobby ou um trabalho. Para nós é um projeto de vida.

As apresentações do Terra Celta podem ser vistas como um fenômeno cultural – vai além do resgate celta das canções e contagia o público. Não é difícil ver alguém na multidão trajando kilt ou agindo como se estivesse em um cenário medieval. A proposta para os novos trabalhos era misturar ritmos diferenciados. Manter o perfil de música celta em novas canções é uma complicação que vocês acabam enfrentando?

Muito, muito mesmo, demais. É extremamente desafiador o processo de composição, somos seis músicos de personalidades e influências distintas. Porém, o nome da banda leva a palavra CELTA, portanto não podemos perder esse fio condutor. São dezenas de ensaios lapidando letras e canções das quais muitas não resultam em nada, várias voltam pra gaveta. Outra dificuldade são os assuntos a serem abordados nas canções, a última canção que fizemos chama “Nau dos Amores”, que foge totalmente do assunto de bebidas e festas. Peguei uma melodia tradicional de um harpista cego irlandês chamado Turlough O’Carolan, escrevi uma letra que fala de saudade e para completar a música também compus uma outra valsa. Só por aí dá para entender que a coisa é bem complexa.

O sucesso da banda já alcançou vários estados do Brasil. Existe alguma diferença na receptividade do público por onde vocês tocam, ou contagiar a plateia é só uma questão de tempo?

Diferenças existem sim, mas a interação do público depende muito mais do tipo de evento que tocamos do que do local. Animar uma festa de casamento por exemplo, é bem diferente de uma apresentação num bar. Hoje sabemos interpretar essas diferenças e quais caminhos tomar pra “ganhar” o público, mas em bares de cidades diferentes, geralmente é uma questão de tempo.

Como se dá o processo de aliar criatividade com técnica musical?

Bom, quanto menos dificuldade se tem com o instrumento, maior a fluência do processo criativo. Outro ponto que acho que é um grande diferencial da banda é a enorme possibilidade de timbres que possuímos, afinal são quase 20 instrumentos para a gente combinar, então o show torna-se ainda mais atrativo e com diferentes texturas.

O bom humor é visivelmente o segredo de todo o trabalho de vocês, além da competência em misturar, com dosagens certas, diversos estilos e instrumentos musicais. Manter isso vivo, em todas as apresentações, é reflexo do quê?

Sinceridade consigo e com o trabalho. Se você não subir no palco acreditando piamente no que está fazendo, o show vai pro brejo. Pode ter certeza que a gente se diverte tanto ou mais que o público quando estamos lá em cima, e por duas horas eu não penso em mais nada a não ser bater o pé e tocar minha rabeca pro povo dançar e se divertir.